domingo, 23 de janeiro de 2011

O e-mail transformando as pessoas (para pior)

O e-mail revolucionou a comunicação entre as pessoas. Dá para contestar ou negar esta informação? Afinal ele é o sonho de quem como eu viveu em época na qual só havia cartas, correspondência tradicional como forma de comunicação. Eu me lembro, levava pelo menos dois dias para chegar uma carta na própria cidade, três ou quatro dias para chegar em algum lugar do Brasil e mais de uma semana, às vezes quase dez dias para uma correspondência chegar ao exterior. Assim quando se popularizou o e-mail, este chegou com o status de “carta instantânea”, uma verdadeira maravilha. É fato, um e-mail sem anexos pesados chega em segundos ao seu destino, não importa onde seja. Em tempos áureos também se usavam Fax (ainda usado mas em declínio) e o já extinto Telex – contei um caso bem curioso no FORUMCPS que cita o Telex na coluna Abuso as operadoras, afinal qual é o serviço? .

A adoção profissional do e-mail foi imediata. A agilidade que isso trouxe foi imensa!!! Familiares distantes também puderam matar suas saudades de uma forma muito melhor. Curiosamente fala-se que hoje em dia a “galera”, a “moçada”, os bem mais jovens, não gostam de e-mail. Preferem comunicação instantânea (como Messenger), SMS (mensagens de texto via celular) ou mesmo troca de recados por sites como Orkut, Facebook, etc. Mas de uma forma ou de outra também usam e-mails, mesmo que em menor freqüência.

Pode-se dizer que e-mails são trocados desde meados dos anos 90. Lembro-me ter conquistado meu primeiro endereço de e-mail em 1994/95 pelo sistema MANDIC. Nem havia Internet no Brasil, mas alguns sistemas de BBS já proviam e-mails para as pessoas que tivessem principalmente interlocutores no exterior. Depois desta fase aconteceu com o e-mail o mesmo que acontecera com o Fax. No começo dos anos 80 as pessoas costumavam perguntar “você tem fax?  Qual seu número?”. Passado algum tempo as pessoas perguntavam diretamente “qual seu número de fax?”. Após a chegada da Internet no Brasil na segunda metade dos anos 90 as pessoas perguntavam “você tem e-mail?”. Passado algum tempo a pergunta já era “qual o seu e-mail?”. Sem dúvida adoção em massa, bom para todos.

Mas nem tudo são flores, infelizmente. Posso destacar diversos problemas que começaram a acontecer em torno do uso dos e-mails no Brasil (e no mundo). Problemas sérios que a continuar desta forma irão minar cada vez mais esta maravilhosa forma de comunicação. Vou destacar cada um dos pontos que têm me incomodado.

Spam (obviamente) : já faz tempo que mais de 70% das mensagens dirigidas às pessoas são não solicitadas. São os famigerados SPAMs. Uma parte são propagandas inúteis e imbecis enquanto outra boa parte são tentativas de infiltrar algum vírus ou programa espião para nos roubar. Algumas pessoas reportam taxas de e-mails inúteis de até 80% ou mais, outros por usarem algum tipo de medida defensiva conseguem menor taxa de “lixo” em suas caixas postais. Mas além de ser chato por si os SPAMs geram outro efeito funesto. Eu, por exemplo, trabalho com “lista de confiança”. Só as pessoas que autorizo entregam uma mensagem da minha caixa de entrada. Isto me obriga olhar meu “lixo eletrônico” ou “quarentena” diariamente. E é MUITO COMUM eu deixar passar um ou outro e-mail “BOM” ao fazer esta tarefa (até apagando e-mails válidos). Nestas ocasiões devo ser taxado de “metido” por ignorar certos e-mails, mas não, teria sido pura distração. É um problemão. E as pessoas sabem que o e-mail chega “na hora” e por isso mesmo têm a expectativa de resposta também instantânea.

COM CÓPIA só quando interessa : algumas pessoas têm esta nefasta mania, usar mal o recurso COM CÓPIA. Parece que querem se defender ou mesmo usar como forma de ataque. Vou exemplificar. Às vezes recebo e-mails com alguma crítica em relação a um trabalho que executei em uma empresa. Nestas ocasiões copiam seu chefe, o gerente, o diretor, e também o dono da empresa. Eu cometo erros como todo mundo, mas 100% das vezes são críticas improcedentes fruto de incompreensão de algum ponto do trabalho. Atencioso que sou ligo (telefone) para a pessoa para dar a explicação necessária pedindo que me mande um e-mail confirmando que tudo dera certo. Sabem o que acontece? A pessoa manda um e-mail SÓ PARA MIM dizendo algo do tipo “tem razão, foi erro meu, faltou mesmo uma informação que não digitei”, ou seja, sou acusado de incompetência perante uma ampla platéia, mas a retratação é só para mim. Isso é da natureza humana. A pessoa SE DEFENDE, afinal seu trabalho pode estar atrasado por culpa de outrem. Mas não. Isso é incrivelmente freqüente para mim e para várias pessoas com que já conversei. “Metem o pau” em público, mas se retratam individualmente. O e-mail é um instrumento muito apropriado para este tipo de desvio de conduta.

Abusando do COM CÓPIA : outro vício muito desagradável é abusar da quantidade de pessoas copiadas, usado como instrumento de pressão. Exemplo, uma pessoa sabe que estarei na empresa na 6ª feira. Manda um e-mail na 4ª de noite exigindo a execução de uma atividade qualquer. Neste e-mail copia três ou quatro pessoas “de peso” da empresa. Costumo responder (obrigatoriamente) com cópia para todos citando que o assunto será visto em um ou dois dias. Algumas vezes a pessoa retruca com inconformismo e aproveita e copia o e-mail para mais outras três ou quatro (que geralmente nem sei quem são). Isso não tem fim. O “doido” (ou doida) claramente faz isso para “tirar o dele da reta” e dizer algo do tipo “olha eu não resolvo a situação por culpa dele”. Certa vez isso tomou tamanha proporção que o assunto já tinha quase 10 pessoas copiadas (das quais mais da metade eu não sabia quem eram). Sabem o que fiz, para ver se a pessoa se tocava? Respondi o e-mail, coloquei TODAS as pessoas no destinatário e no campo COM CÓPIA inseri : 
Lula@presidencia.gov.br; Obama@whitehouse.gov ; Papa@vaticano.org ; papainoel@natal.com e God@heaven.org. Curiosamente após este e-mail (que não foi respondido) a referida pessoa parou de enfileirar pessoas e mais pessoas nas mensagens que mandava para mim. Deplorável.

Gente que não lê os e-mails que responde: com alguma freqüência me deparo com esta situação. Mando um e-mail para alguém e este me responde com uma pergunta a qual fora explicitamente citada no meu texto. Isso acontece (pouco) também aqui no ForumPCs. O fulano publica um comentário criticando a falta de um dado e perguntando algo que está no texto. Voltando aos e-mails, pode ser que o GIGANTISMO, a imensa quantidade de e-mails na caixa de entrada das pessoas os obrigue a ler rapidamente ou apenas “correr os olhos”. Mas isso é no mínimo uma baita falta de respeito com quem se dedicou a elucidar, explicar uma situação e receber como retorno a pergunta que já foi respondida!!!

Ignorar solenemente : isso é o que mais me incomoda. Acompanhem a seguinte cena. Você pega o telefone, liga para alguém. A pessoa atende o telefone e você fala (exemplo) : “A situação é crítica. Preciso tomar a atitude blá, blá, blá. Mas você precisa dar a sua opinião e obter aprovação junto à diretoria da empresa. Isso só pode ser feito amanhã, fora deste prazo não terá mais utilidade. É crítico. Entendeu?” . Nesta hora a pessoa do outro lado da linha não fala nada e desliga o telefone!!!! Isso é admissível?? Pois é. Isso que acontece TODO DIA, TODA HORA com e-mails trocados pelas pessoas. Até acho que isso acontece como um subproduto da mania dos COM CÓPIA , pois as pessoas não acham que é com elas “alguém vai lidar com este problema, não precisa ser eu”. Só que isso também acontece com e-mails dirigidos a apenas uma pessoa. Eu canso de ver isso. Alguém pergunta algo. Eu me esmero em responder, explicando nos mínimos detalhes, até meio extenso demais, eu reconheço. Mas após isso a pessoa simplesmente IGNORA. CARAMBA em uma conversa a confirmação do entendimento é essencial!! Tá bom, alguém vai dizer que e-mail deve ser “telegráfico” e objetivo, mas ignorar seu interlocutor acontece TODO DIA, TODA HORA!!
   
Os “sem noção” e os folgados : De certa forma já falei disso em uma coluna chamada
Internet, a terra dos cara de pau!. Mas isso cresceu. É incrível a quantidade de e-mails que recebo do tipo : “tenho que fazer um trabalho sobre sistemas operacionais. Mande tudo sobre isso no máximo até amanhã”. Ou algo assim : “cara adorei o Windows 7, mas não sei onde achar. Você pode fazer uma cópia piratex e mandar para mim?”. Não dá para acreditar a FOLGA destes caras. E tem os sem noção, uma categoria correlata aos folgados, não tão maldosa, mas igualmente funesta. Tem testes de produtos feitos por mim, publicados na Internet há mais de 14 anos. Volta e meia aparece um e-mail assim : “Li seu texto sobre o Lotus Organizer 2.0, gostei muito. Quero uma proposta comercial urgente com as condições de venda.”. Ou algo assim : “Comprei a impressora XYZ há 3 anos porque li um artigo seu. Ela deu problema e vai sair muito caro para arrumar. A culpa é sua, você deveria me reembolsar!!”. Ou ainda : Preciso urgente os drivers do notebook XWY. O fabricante descontinuou o produto há 4 anos e você tem que conseguir os drivers para mim pois só comprei  por causa de um artigo seu que eu li.”. Pessoal isso é BIZARRO. Eu DUVIDO que quaisquer destas pessoas mantivessem o mesmo discurso se tivessem me ligado pelo telefone. A sensação de anonimato e distanciamento proporcionada pelo uso do e-mail deixa a pessoa à vontade para tais exemplos de grosseria, folga e falta de educação.


Tem mais, mas não vou me estender. O fato concreto é que o meio de comunicação e-mail está contaminado por vários comportamentos “viciados”, técnicos e psicológicos. Atrevo-me a dizer que este é um fenômeno sociológico que deveria ser interpretado e estudado por pessoas da área. Corrigir a situação não seria nada complicado desde que as pessoas tivessem um mínimo de bom senso e noções de educação no trato com pessoas. Mas a realidade é que ou nos acostumamos com estes “desvios” ou com o passar do tempo esta forma de comunicação se tornará tão impessoal, seca e até desprezível, que deixará de ser utilizada. Por conta disso tudo considero o e-mail um “mal necessário”. Eu tolero estas situações por pura necessidade. Mas será que isso vai mudar? Será que alguma nova forma de comunicação pode surgir que substitua o e-mail com a capacidade de superar estas dificuldades todas? Deixo a pergunta no ar e abro o debate...


PS : este texto foi originalmente publicado como uma de minhas colunas no site FORUMPCS

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