sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A incrível tecnologia da Formula 1 – visitando o box da Lotus em Interlagos

Já faz alguns anos que tive a oportunidade de entrar nos bastidores de uma equipe de F1. O ano era 2005 e pude conhecer um pouco melhor a Ferrari, na época de Schumacher e Barrichelo. Contei esta divertida e interessante história no texto “Aincrível tecnologia da Fórmula 1”  Mas agora em 2013 tive a grata oportunidade de ser convidado pela Avanade para explorar o box da equipe Lotus, uma das equipes de ponta desta temporada.



figura 01 – Visão da fábrica da Lotus


A Avanade é uma empresa de TI, segmento bastante relacionado com a F1, uma vez que a eletrônica e informática estão completamente presentes nos carros hoje em dia. Não apenas carros de F1 bem como no carro que eu e você dirigimos. A Avanade tem sua logomarca exposta na Lotus, mas a relação com a equipe não é de simples patrocinadora e sim como uma parceira tecnológica. Sua colaboração com a Lotus se dá de algumas formas diferentes. A empresa é especializada em implantação de soluções Microsoft como o ERP Dynamics e o CRM (produto muito usado inclusive em versões online). Mas outra de suas expertises é integração de sistemas, desenvolvimento de aplicações e implantação de soluções de colaboração.

Em conversa com Jun Endo, Gerente Geral da Avanade do Brasil ele destacou: “quando as pessoas veem um monoposto de Fórmula 1 contornando o ‘S do Senna’ ou entrando na reta dos boxes, mal podem imaginar toda a tecnologia que foi aplicada para o design e produção do carro para aquela corrida. Com a ajuda da Avanade, a Lotus F1 Team passou a ter uma ferramenta de planejamento única, que agrega todas as informações em uma só plataforma. Esta iniciativa permite o monitoramento do desempenho a todo momento”.

Existem múltiplos sistemas na Lotus, pois são muitas áreas de grande especificidade como telemetria, aquisição de dados, motores, aerodinâmica, logística, processos administrativos, etc. Cada um destes sistemas tem bases da dados distintas. Parte da missão da Avanade é integrar estas áreas todas visando agilizar processos e obter ganho de produtividade.

E como a F1 é composta por milhares de detalhes existe um caso bem simples e emblemático em relação a isso. A Lotus utiliza impressoras 3D para confeccionar alguns componentes específicos, pois são peças inexistentes no mercado. Porém o processo de confecção destas peças pelas tais impressoras 3D é moroso (muitas horas). São elementos de grande precisão. Quando uma peça ficava pronta nem sempre as pessoas sabiam disso e demoravam para iniciar uma próxima impressão 3D. A Avanade desenvolveu um sistema que faz interface com as impressoras 3D de forma que ao terminar o processo as pessoas sejam avisadas, seja por meio de um painel de informações, mas principalmente por um sinal sonoro. Assim tão logo aquele “job” tenha sido concluído o próximo já pode ser iniciado. É algo extremamente simples, mas que faz boa diferença.


 
figura 02 – Lotus se preparando para deixar o box


Além da Avanade tive a oportunidade de ter uma conversa informal com pessoas da EMC, empresa especializada em sistemas de armazenamento de dados que não por acaso também é parceira da equipe Lotus. Segundo a EMC ao longo de 2013 foi criado um repositório de dados em nuvem para a equipe acumular informações dos carros e pistas ao longo de toda a temporada. Estas informações já estão sendo utilizadas em análises que estão influenciando o projeto do carro de 2014. Como é um sistema em nuvem (além dos repositórios locais na fábrica da Lotus), os dados estão disponíveis em qualquer lugar do mundo, em qualquer circuito.

Hoje em dia a Lotus precisa transportar de pista em pista, de país em país, uma sofisticada infraestrutura da EMC para lidar com os dados. Em 2014, com o uso pleno dessa estrutura em nuvem isso será incrivelmente simplificado sem prejuízo algum na disponibilidade e acesso a todas as informações. Segundo a EMC a parceria vai ser ainda mais intensificada em 2014, pois existe um audacioso plano da Lotus para se tornar uma das equipes de ponta, que disputará ainda mais fortemente o título em 2014 e tem como meta ser a campeã em 2015!! Tecnologia e acesso a informações é essencial. 


figura 03 – Sistema de armazenamento em nuvem da EMC


Um pouco mais da Lotus

O grau de profissionalismo e especialização na F1 é cada vez maior. Na conversa que tive com Fleur Foster, account manager da Lotus F1 Team falamos desde orçamento da equipe, mudanças para 2014, simuladores, pilotos....



figura 04 – Jun Endo (CEO da Avanade) e Fleur Foster (account manager da Lotus F1)

Questionei se a proibição de testes livres aos longo do ano (com objetivos de cortar custos) não tinha sido ruim, pois as equipes tiveram que gastar muito dinheiro em simuladores. O valor investido não pode ser divulgado, mas segundo Fleur é um volume muito grande, muito provavelmente gastando bem mais que se ocorressem os treinos.



figura 05 – Lotus se preparando para deixar o box


Hoje em dia o trabalho no carro é feito em 3 frentes distintas. Começa no túnel de vento onde um modelo em escala do carro é testado gerando informações. Em seguida os sofisticados programas de CFD (Computer FluidDynamics) tomam o lugar como se fosse túnel de vento virtual. Interessante saber que os dados obtidos no túnel de vento “real” são um dos parâmetros de entradas do CFD que por sua vez leva ao limite um número imenso de simulações visando aperfeiçoar a aerodinâmica do carro. É um processamento incrivelmente sofisticado e quanto mais exigido mais tempo é necessário. Assim os projetistas necessitam constantemente de sistemas computacionais (muitos computadores agregados) cada vez mais potentes para executar estas tarefas.



figura 06 – exemplo de análise feita com Computer Fluid Dynamics


A terceira etapa consiste dos testes nos simuladores, já alimentados com os dados decorrentes das modificações estudadas nos túneis de vento e principalmente na etapa de estudo CFD (Fluidodinâmica). Nesta etapa os pilotos têm grande importância, pois eles irão confirmar se todo o esforço feito pela equipe nas etapas anteriores atingiu os objetivos desejados. Com toda certeza este processo é interativo e se repete até que os resultados desejados sejam atingidos ou se esgotar o tempo previsto para que que o carro possa ser fabricado. Mas não pense que este trabalho acontece somente antes da temporada começar. Segundo Fleur Foster ao longo do ano todo a equipe segue buscando aperfeiçoamentos resultando em detalhes que podem empurrar seu carro ainda mais para a frente. Vejam o que fez a Red Bull este ano que a partir do segundo semestre conseguindo obter o carro praticamente perfeito e ganhando quase tudo.

Em 2014 o regulamento prevê modificações imensas no projeto dos carros : restrições aerodinâmicas; novo motor será V6 1.6 turbo que conta com duplo sistema de recuperação de energia (elétrica) que vai incrementar a potência (cerca de 160 HP) por 33 segundos por volta (e não apenas 8 segundos como hoje); apenas 5 motores por carro para toda a temporada (foram 8 em 2013); mesma caixa de câmbio para todas as equipes (com relações de marchas fixas) e apenas 100 quilos de combustível por carro na corrida (que vai obrigar mapeamentos de motor e pilotagem bem inteligentes). Por isso o esforço de desenvolvimento de engenharia e tecnologia é tão importante.



figura 07 – motor Renault V6 1.6 Turbo da temporada 2014


figura 08 – motor Mercedes V6 1.6 Turbo da temporada 2014

E os pilotos?


Quando eu vejo esta imensa quantidade de recursos tecnológicos imediatamente vem à minha cabeça a mesma pergunta que fiz na Ferrari em 2005. E como fica a importância dos pilotos no processo de desenvolvimento do carro?? E a autonomia para tomar decisões durante a corrida com por exemplo retardar ou antecipar trocas de pneus?

Foi interessante perguntar isso para a Lotus porque em 2013 em pelo menos 2 ou 3 ocasiões Kimi Raikkonen poderia ter obtido resultados ainda melhores se tivesse antecipado, retardado ou não trocado pneus. Segundo Fleur Foster os pilotos seguem no comando, mas os dados obtidos nos treinos que antecedem à corrida fornecem informações que permitem calcular com grande precisão o nível de desgaste e estabelecer um plano de trabalho (estratégia) e definir as janelas de pitstop (intervalo de voltas que a troca será efetuada). Mas o piloto tem voz ativa para dialogar com a equipe e tomar a sua decisão.

figura 09 – Lotus atacando uma curva em uma corrida


Mas cada piloto tem seu estilo. Kimi Raikkonen, campeão do mundo, tem maior sensibilidade que o Romain Grosjean. Assim Kimi com muito poucas palavras (bem ao seu estilo) fala o que sentiu do carro e solicita algum ajuste específico. Já Romain Grosjean usa mais das palavras de forma um pouco menos objetiva que Raikkonen, mas também passa as suas impressões aos engenheiros e mecânicos. Em resumo a F1 é extremamente dependente de tecnologia, mas está totalmente longe de ser uma categoria “vídeo game”, os pilotos são e permanecerão como elemento fundamental no desenvolvimento, ajustes do carro e obviamente na condução do F1 no momento máximo que são os cerca de 300 Km que duram uma corrida. Nunca deixará de ser um imenso trabalho de equipe!

Pitstop Experience

Uma surpresa estava reservada para o final da visita. A Lotus havia programado um treinamento de pitstops e eu iria acompanhar de perto. Realmente perto, pois eu pude ficar dentro do cercado da Lotus a pouco mais de 2 metros de onde tudo aconteceu. Neste mundo no qual 1 segundo faz toda a diferença treinar a troca dos 4 pneus é essencial. Ainda mais quando a equipe campeão do mundo, a Red Bull, bateu o recorde absoluto de tempo de troca na corrida dos EUA com o absurdo tempo de 1.93 segundos!!!



figura 10 – Mecânicos da Lotus em plena operação de pitstop (treino em Interlagos)


Mas a experiência que a Lotus proporcionou superou todas as expectativas. Cada um dos convidados recebeu um sistema de comunicação (fones de ouvido). Aliás, muito confortáveis, envolventes e com alta capacidade de filtrar os sons externos. O chefe da equipe comandava e eu podia ouvir tudo. Ao final de cada troca era informado para todos (nos fones) o tempo total. Isso era esperado. Mas além disso o tempo de cada roda (traseira esquerda, traseira direita, dianteira esquerda e dianteira direita). Assim cada grupo de mecânicos sabe quão bem desempenhou sua tarefa e qual grupo foi quem restringiu o desempenho de todos.

Vendo ali de perto é algo muito impressionante. São 3 mecânicos por roda e o clima é de extrema tensão por conta da precisão necessária para realizar a operação. Pude filmar o processo e publiquei dois vídeos nos quais um deles a Lotus trocou os pneus em 2.9 segundos. Um tempos extremamente competitivo. Mas neste vídeo dá para perceber que 3 rodas são trocadas mais rapidamente e no final o barulho de uma pistola pneumática ainda fica um tempo trabalhando. No segundo vídeo a troca foi realizada com ainda maior precisão em apenas 2.0 segundos. Neste vídeo pude perceber que todas as pistolas pneumáticas acabam seu trabalho ao mesmo tempo. Ou quase. O chefe de equipe relatou ao final, 1.93s, 1.96s, 1.97s e 2.00s. E ainda chamou a atenção da equipe que demorou mais que os outros... Isso que é ser minucioso e perfeccionista!! Isso é a Fórmula 1!!

Vídeo com a troca em 2.9 segundos – clique aqui


Vídeo com a troca em 2.0 segundos – clique aqui


A propósito este texto está sendo escrito de uma forma muito particular. Estou no intervalo do treino livre (6ª feira) ao lado da pista, mais precisamente no final da reta oposta. Estar aqui em Interlagos, vivendo este clima literalmente ao lado da pista é inspirador e inédito para mim! Unir minha paixão com meu trabalho é um privilégio!!




figura 11 – Momento de concentração entre os treinos escrevendo este texto em Interlagos


figura 12 – Logotipo oficial da equipe Lotus

 
figura 13 – para quem gosta é um momento único a visita ao box da equipe em Interlagos

4 comentários:

  1. Valeu Xandó.. excelente o texto. Li no autoracing...

    HP.

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    1. Obrigado HP!! Seria o grande e inconfundível Horse Power?? Grande abraço!!

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  2. Muito bom! Parabéns pela experiência e pelo texto! Abs.
    Cristina Lebrão

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