quinta-feira, 14 de abril de 2011

A incrível tecnologia da F1


Este texto foi escrito e publicado há algum tempo (2005), mas quero resgatá-lo por causa da incrível velocidade com a qual evoluem as necessidades e recursos de Formula 1. Seja a demanda de hardware, seja a demanda por comunicação ou a montanha de dados que são analisados. E este texto confronta em certo momento a sensibilidade da máquina versus a sensibilidade do ser humano.
 

Os apreciadores da velocidade como eu, sempre se questionam se as corridas eram mais emocionantes quando a plataforma tecnológica não era tão evoluída. Eram tempos que o piloto tinha maior importância. Mas será que é isso mesmo? Eu era um pirralho na época que Emerson Fittipaldi foi bi-campeão de fórmula 1 e desde então acompanho estes gladiadores em seus cavalos mecânicos de tempos modernos.


Eu estive na quinta feira que antecedeu o 34º GP Brasil de Formula 1 em uma visita aos boxes da equipe Ferrari, por convite da empresa AMD que é patrocinadora da Ferrari há alguns anos. Interessante esta parceria com esportes por parte da AMD. Ela também patrocina o mega campeão de ciclismo Lance Armstrong , vencedor consecutivo de 7 edições do “Tour de France” (o Schumacher do ciclismo). Mas ao contrário do que poderia parecer o patrocínio não se limita à exibição do logotipo da AMD em troca de polpudos punhados de dólares para as respectivas equipes. No caso concreto da equipe Ferrari, que eu pude conferir de perto, o patrocínio se dá pelo uso da tecnologia AMD em seu mais alto grau nos bastidores.

Parte do conjunto de workstatations de apoio à telemetria
A Ferrari não vive o melhor de seus anos por conta de mudança recente dos regulamentos. Quem se adaptou melhor e mais rápido está na frente como a Renault que com Fernando Alonso fez o campeão do mundo mais novo da história com apenas 24 anos. Mas com certeza se não é um grande ano para a Ferrari isso não se deve nem ao seu staff técnico nem à retaguarda tecnológica. Preciso confessar uma coisa. Eu sabia que os times da F1 eram super profissionais, mas o que vi nesta 5ª feira me surpreendeu sobremaneira.

Eram dezenas de pessoas em atividade frenética, em um dia que sequer um carro iria à pista. Estudavam dados de telemetria de edições anteriores de GP Brasil bem como os dados da última corrida em busca de alguma informação perdida, um desvio do comportamento do motor, uma atividade incomum na suspensão etc. Tudo isso sendo feito por um batalhão de mecânicos (??) cada um com seu notebook, comandados pelo brilhante estategista o sul africano Ross Braun.



Análise de telemetria em tempo real
A sala de telemetria por si é um show à parte. Contei 12 workstations AMD Opteron 64 de alta capacidade. Estas workstations (foto acima) são embutidas em tipos de conteiners para facilitar o transporte pelo mundo todo (são 19 corridas neste ano). Uma montagem prática e engenhosa. Veja nas fotos abaixo um técnico da AMD realizando tarefas de manutenção em uma parte destas workstations.



Manutenção da fortaleza de informações

Pelo que entendi cada uma delas é responsável pela aquisição e análise preliminar de conjuntos de variáveis que são estudadas em cada carro. Nem vale a pena dissertar sobre elas, pois seria uma quantidade muito grande e um assunto muito técnico, mas somente para ilustrar vamos pensar em aceleração, freio, velocidade, força G, inclinação da suspensão etc. Além dos sensores que transferem dados por sistemas de rádio surpreendi-me ao ver que há também sensores que são montados no chão nos pontos de parada no box.

Mas o ponto alto da visita, além de todos os momentos de tietagem explícita nos boxes foi a conversa com Dieter Gundel responsável por toda área de TI da equipe Ferrari. Foi uma conversa deliciosa com um grupo de sete jornalistas em um ambiente super informal e descontraído, no fundo dos boxes. Dieter Gundel tem uma longa experiência. Trabalha na Ferrari há dez anos e, portanto acompanhou a ascensão da equipe e viveu todos os seus dias de glória, os seis títulos de construtores e os cinco títulos de pilotos com Michael Schumacher.


Dieter Gundel-chefe de TI da Ferrari

Gundel comentou que em uma corrida são coletados de 2 a 4 Gbytes de dados de cada carro. Isso parece muito! Ainda mais se levarmos em conta que são dados exclusivamente numéricos. Esta montanha de dados é avaliada em tempo real pela equipe durante a corrida visando antecipar algum problema. Além disso, fornecem aos pilotos subsídios que os permitem durante uma corrida ou durante uma volta voadora na sessão de qualificação efetuar ajustes finos feitos pelos próprios pilotos dentro do carro. Não sei se já repararam, mas o volante de um carro de Formula 1 tem uma quantidade enorme de botões e ajustes. São cerca de vinte regulagens que podem ser feitas, fruto de sua própria sensibilidade ou por orientação dos boxes. Seja para alterar o comportamento do carro de uma curva para outra em função das diferenças intrínsecas do circuito ou para atenuar ao longo da corrida os efeitos do desgaste dos pneus alterando características de reação de suspensão etc. Todos estes dados são armazenados para estudo futuro. Serão úteis no caso de uma nova pista ser incluída no calendário que tenha características semelhantes ou mesmo para avaliar e comparar os dados em uma única curva parecida de outro circuito.

Perguntei para Gundel se Interlagos pelas características de relevo, subidas, descidas apresentava problemas com a aquisição de dados de telemetria. Ele respondeu que é exatamente o contrário disso, a pista tem grande facilidade de recepção de dados e é das melhores neste aspecto, ao contrário de outras como, por exemplo, Hockenhein na Alemanha, quando pista ainda tinha quase sete quilômetros, Floresta Negra adentro.

Não resisti e perguntei para Dieter Gundel como fica a sensibilidade do piloto com toda essa quantidade imensa de dados : “Sr. Gundel, conta-se que Ayrton Senna tinha uma sensibilidade tão aguçada em relação às reações do carro que por vezes Ayrton ficava quase uma hora descrevendo detalhadamente uma única volta,suas impressões do carro, curva a curva, reta a reta. Como se aproveita esse talento junto com os dados frios e matemáticos da telemetria?”

A resposta de Dieter Gundel foi memorável : ” Ele frequentemente gastava mais tempo do que isso! Eu trabalhei com Senna na Mclaren de 1990 a 1993. Foi uma experiência incrível e dois títulos mundiais.Os dados de telemetria são extremamente importantes mas são na essência uma massa gigante de dados. Sem análise não tem serventia. Por isso atualmente contamos com nossa parceira AMD para sermos capazes de digerir esta montanha de números e fazermos isso se transformar em melhor desempenho. É muito útil por exemplo confrontarmos os dados dos dois pilotos da equipepois conseguimos mostrar para eles onde podem ser mais rápidos se comparado com o outro. No caso de pilotos tão talentosos e sensíveis como era Senna e como são Michael e Rubens a percepção deles é fundamental em caso de dúvidas na interpretação dos dados. Eles têm a palavra final, afinal são eles que sentam no cockpit, são extremamente profissionais e são capazes de perceber reações como nenhum sensor pode sentir. É de fato um trabalho de equipe, cada um dando a sua contribuição naquilo que pode. Hoje em dia seria impensável dispensar a tecnologia. Não há retorno. Assim como procuramos ter também os melhores pilotos temos que ter a melhor tecnologia. ”

Senna-mais de uma hora descrevendo uma única volta-segundo Dieter Gundel
Dieter Gundel explicou um pouco melhor que os recursos tecnológicos são usados além da função óbvia da telemetria. Computadores muito poderosos estão disponíveis na sede da Ferrari onde têm aplicações vitais no estudo da aerodinâmica do carro. Após estudos em túneis de vento uma porção gigante de dados precisa ser interpretada. A função CFD (Computacional Fluid Dynamics) visa modelar o comportamento do fluxo de ar pelo perfil dos carros e mesmo antes de testá-lo no túnel de vento. Assim podem simular as reações de uma modificação proposta em um componente do carro (um aerofólio, uma aleta, um defletor etc.) e com isso ter maior agilidade no processo, só submetendo a caros e complicados testes de túnel de vento aquilo que já foi bem testado pelos supercomputadores da Ferrari. Há também modelos matemáticos que visam simular o funcionamento dos motores em diversas condições como pressões atmosféricas e relevos distintos, variações na composição da gasolina e diferentes ajustes intrínsecos do mesmo. É inimaginável a quantidade de operações matemáticas necessárias para este tipo de simulação.

Para ilustrar esta complexidade temos um exemplo. A equipe Sauber, que também usa motores Ferrari recém concluiu a implantação de seu super computador, o qual foi batizado de ALBERT. O Albert conta com 530 processadores AMD Opteron 64, pesa 18 toneladas e é capaz de efetuar 2.3 trilhões de operações por segundo. Seu uso primordial é assim como na Ferrari, o estudo fluidodinâmico visando evoluções na aerodinâmica de seus carros. A Sauber apesar de usar motores Ferrari não teve o mesmo grau de sucesso que a mesma. Em 2006 sob a grife BMW (que comprou a equipe), com novo motor (BMW-claro), com um também novo túnel de vento e com a ajuda de ALBERT quem sabe possa se tornar uma grande equipe.

O super computador ALBERT da Sauber-530 processadores AMD Opteron
Foi uma experiência única esta visita nos bastidores da Ferrari. Estive em Interlagos no domingo e assisti o grande prêmio. Foi interessante, divertido e até emocionante em alguns momentos. Mas muitas vezes ficava imaginando aquele exército de competentes engenheiros, mecânicos e técnicos em frenética atividade “engolindo” os vários gigabytes de dados dos carros procurando impulsionar um pouco mais as Ferraris de Schumacher e Barrichello!

Além da AMD a gigante INTEL ingressou em 2005 como patrocinadora da equipe Toyota de formula 1. Não tive a oportunidade e felicidade de visitar os bastidores da Toyota como fiz na Ferrari. Acredito que tirando o tempo (a AMD acompanha a Ferrari há vários anos), a estrutura, competência e dedicação semelhantes devem existir por parte da INTEL com a Toyota. Com o acirramento e aumento da competitividade destas equipes será interessante acompanharmos a “corrida” destes dois competentes fabricantes de processadores, que já têm ampliado seu embate neste mercado. Nada como um pouco de gasolina de F1 para por fogo nessa sempre interessante disputa!!

PS : este texto foi originalmente publicado em minha sessão de colunas no site FORUMPCs

Uma criança feliz em um playground tecnológico e de alta velocidade

2 comentários:

  1. Muito bom!!!

    Parabens pelo artigo. Incrível o que o dinheiro pode pagar quando se trata de tecnologia (e não só isso).

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  2. Caro Anônimo muito obrigado pelo comentário. A visita já foi feita há algum tempo e continua tão atual quanto.

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