sexta-feira, 4 de março de 2011

E tinha um parafuso no meio do caminho

Este caso remete a uma história antiga, da década de noventa, mas coisas parecidas, na minha visão, ainda ocorrem até hoje!! Por isso resgato o caso e convido à reflexão!!

No começo de minha carreira profissional trabalhei durante certo tempo com comunicação micro-mainframe , que me fez aproximar também deste outro mundo que são estas máquinas de milhões de dólares. Nesta época toda e qualquer ampliação de plataforma era um acontecimento, pois sempre exigia grandes investimentos e um grande planejamento.O tal mainframe era usado por muitas centenas de usuários, em épocas de pico por mais de mil, quase dois mil com certeza. O problema era um dos conjuntos de discos utilizados, que estava chegando perto de sua capacidade máxima.

Quando eu falo disco não pense no HD se seu PC, pequeno, discreto e eficaz. Pense em um pequeno armário com mais ou menos 130 cm de altura, 90 cm de largura e uns 50 cm de profundidade. Este tal disco tinha a astronômica capacidade de 4 Gigabytes. Para a época era astronômica mesmo pois os PCs ainda eram PCs XTs e os mais afortunados tinham entre 20 Mbytes e 40 Mbytes. Incrível!!


Exemplo de Mainframe dos anos 90

Tinha sido contratada da IBM a ampliação do tal “disk pack”. Um belo dia o responsável pela operação me perguntou “vem o pessoal da IBM aí para trocar o disk-pack, você quer ir ver para conhecer?”. Garotão de tudo e ávido por conhecer coisas novas não me fiz de rogado e aceitei prontamente o convite.Mas minha supresa começou quando o “pessoal” da IBM chegou. Era um técnico, impecavelmente vestido com o tradicional terno azul (era marca registrada da IBM na época) com uma valise tipo 007. Mas cadê o disco novo????

O técnico, de forma muito educada, respondeu “conforme contratado estou aqui para realizar a troca de capacidade do disco”. Isso me deixou ainda mais encafifado! Seguindo seu trabalho o técnico retirou uma tampa situada na parte superior do “armário” (disk-pack) e em seguida abriu sua valise tipo 007 e retirou uma longa chave de fenda (ou seria uma chave de boca de meia polegada ?) e de maneira firme e determinada encaixou-a em algo que parecia a ponta de um parafuso. Após algumas dezenas de voltas ele retirou um longo parafuso, de uns 30 cm mais ou menos e no local onde este estava colocou um parafuso bem pequeno, como se fosse só para tampar aquele buraco. Fechou a porta do compartimento e disse “pronto”.

Como pronto!!!??? Pasmem! O tal sofisticado disk-pack instalado, que custava algumas dezenas de milhares de dólares,tinha capacidade de 8 Gigabytes, mas um longo parafuso, que funcionava de fato como um limitador mecânico de curso para as cabeças de leitura do disco, limitava o acesso somente até uma parte dos “pratos” magnéticos do sistema de discos. Retirado o parafuso, as cabeças de leitura podiam agora acessar toda a superfície disponível e, por conseguinte, usar todos os 8 Gigabytes!! “Pronto, agora só mandar o sistema operacional alocar a nova área livre”.

Alguns podem achar uma solução brilhante e criativa, outros podem achar de ética duvidosa. Era mais barato para a IBM instalar os discos já com a capacidade grande e cobrar do cliente só pelos 4 Gigabytes usados. No dia que quisesse a ampliação o custo dessa ampliação era virtualmente zero e o cliente passaria a pagar pelo espaço total.

Mas não era só a IBM que tinha idéias “criativas” assim.Episódio semelhante, mas protagonizado pela Intel na época do saudoso (??!!) processador 486. Para baratear o produto 486 que fora recém lançado, a Intel criou uma versão mais simples, com menos memória cachê e clock mais baixo. Inventou uma motherboard que tinha, além do soquete para o processador, um soquete extra para um tal “Overdrive Processor”. Seria um segundo processador que supostamente somaria forças com o processador existente no dia que o usuário resolvesse que precisaria de mais força em seu PC. Mas  este segundo processador especial, o tal “Overdrive” era na verdade um 486 comum, aquele mais caro, com mais cachê e clock maior, travestido por razões de marketing de uma aparência diferenciada, mas que ao ser plugado nesta placa mãe “especial” fazia somente desabilitar o 486 mais simples pré existente e este novo assumia completamente o controle do outro que provavelmente até frio ficava (se não ficava frio ficava com certeza na ociosidade 100% do tempo).

Nos dias atuais convivemos com processadores com múltiplos núcleos, 2, 3,4, 6... Sabemos que alguns destes têm núcleos desativados para serem vendidos mais baratos. Tanto INTEL como AMD fazem isso.

Isso barateia o processo pois existe apenas uma linha de produção. Assim quem compra o processador de 3 núcleos tem na verdade consigo um de quatro. Não sei se isso ocorre entre os processadores de 4 ou 6 núcleos.

A dúvida, ou mesmo pergunta que faço, é se você considera corretas estas abordagens de marketing afetando a suposta utilidade técnica dos produtos? Seria correto ou algum tipo de “grupo”?


PS: este texto foi originalmente publicado por mim como uma coluna no site FORUMPCS

5 comentários:

  1. Caro Xandó, muito bom este texto porque conhecer a tecnologia no passado ajuda a entender a situação presente. Com relação as abordagens de marketing, acho corretas porque não se paga pelo recurso que não está em uso e, principalmente, porque permitem implementar grandes expansões de recursos como storage, memória e processador em muito menos tempo. Grande abraço!

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  2. Graaaaaande Valdir!! Que prazer receber um comentário aqui no meu blog pessoal!! Pois é... quem viveu essa época entende melhor pois Dona IBM manda e desmandava. Mas a abordagem de marketing é mesmo, no mínimo, curiosa!!! Vivendo e aprendendo!!! Abração!!

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  3. Ótima coluna Xandó. Curioso como nos primórdios da computação o trabalho era mais de mecânica do que de informática! :D

    Quanto ao 486, acredito que as versões lançadas pela Intel eram o 486DX, com seu coprocessador habilitado, portanto mais caro e 486SX, com seu coprocessador desabilitado, mais barato. O processador OverDrive foi o primeiro Pentium lançado e era um upgrade para as placas-mãe compatíveis com o soquete do 486.

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  4. Só para complementar, para quem possuia o 486SX era possível adquirir o coprocessador separadamente e instalá-lo no soquete reservado para ele na placa-mãe.

    Abraço.

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  5. Caro Kommando, ótimos comentários, obrigado por seus esclarecimentos, observações e por suas palavras em relação ao meu trabalho. Abraços

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