Intel, a gigante dos processadores amplia sua capacidade de produção com novas unidades no Campus em Chandler, nos arredores de Phoenix, no estado do Arizona. Fim do assunto.
De jeito nenhum!
Eu faço coberturas de assuntos de tecnologia desde 1995, na época pelo então Caderno de Informática do Estadão, ou seja, há muito tempo. Não me lembro de outra ocasião na qual eu tenha ficado tão impressionado, mesmo em uma visita tão breve, de um dia e meio apenas.
Eu estive em uma ocasião na fábrica da Intel, mas há bastante tempo. Pra vocês terem uma ideia foi, se minha memória não me trai, em 2004, na unidade de Santa Clara, Califórnia, local que hoje abriga o “headquarters” da empresa, não é mais uma fábrica. Na época, a grande novidade era o processo de fabricação de 90 nanômetros, que resultou, por exemplo, no processador Pentium 4 Prescott (entre vários outros). Nesta visita, diferente de agora, não entrei dentro da fábrica, mas visitei um museu da Intel muito interessante que havia naquela unidade.
Na ocasião eu já entendera que as fábricas são extremamente sofisticadas e têm características extremamente singulares. Seja para conseguir abastecer o mercado com os semicondutores necessários, seja para fazer cumprir a importante previsão feita há mais de 50 anos. Afinal, chegamos a um momento no qual a economia que depende dos “artefatos de silício” é bilionária ou trilionária!!
Aquela famosa lei...
Enunciada em 1965, revisada em 1975, Gordon Moore previu que a quantidade de componentes dos circuitos integrados iria dobrar a cada dois anos. Essa afirmação foi ao mesmo tempo profética, precisa e também virou uma meta sendo perseguida pela Intel a cada ano ou dois anos. O processo de fabricação veio sendo alterado (litografia), reduzindo seu tamanho fazendo mais e mais componentes caberem em espaços cada vez menores. Lá na FAB 41 em Chandler, logo na entrada tem um painel fantástico que dá uma boa ideia dessa evolução, desde os 350 nm até 7 nm.
Mas vem sendo cada vez mais difícil dobrar os componentes e por isso a Intel pesquisa intensamente alternativas como inserções de elementos específicos no silício (“dopagem”), redução do tamanho, tridimensionalidade dos processadores (várias camadas), como mostra a figura acima.
A fábrica (ou fábricas)
Quando se ouve falar “fábrica de microprocessadores” vem à mente algo grande, sofisticado, usando tecnologia de ponta. Imaginou? Não, você não imaginou, é algo surpreendentemente mais impressionante. Pra começar, no caso de Ocotillo, em Chandler no Arizona não se trata de uma fábrica e sim de um Campus. Ou seja, em um espaço bastante grande, imenso, há diversas fábricas já em operação e outras em construção, duas neste momento. A foto abaixo, uma visão aérea da região dá apenas uma vaga ideia do que o complexo é grande. Grosso modo um terreno de uma 1.5x1.5 Km (praticamente uma milha quadrada).
Mas por que diversas fábricas em um Campus? Agora eu entendi melhor. Claro que tem a ver com ampliar a capacidade produtiva em um mundo no qual a demanda por soluções digitais só faz crescer. Revise a primeira imagem deste texto o qual situa a economia digital como trilionária!
Mas tem um agravante. Por causa da grande velocidade de desenvolvimento, na carona da “Lei de Moore”, uma fábrica dessas torna-se obsoleta em aproximadamente 4 anos tendo que ser desmontada para dar lugar a outra totalmente nova. Perceberam o incrível volume de investimento e tecnologia envolvidos?!
Em 2021, a Intel confirmou o compromisso com o Arizona ao anunciar um investimento adicional de US$ 20 bilhões. Esta iniciativa de expansão inclui a construção de duas fábricas de semicondutores de última geração no Campus de Ocotillo, elevando o investimento total da Intel no Arizona para mais de US$ 50 bilhões em mais de quatro décadas. As novas fábricas produzirão as tecnologias de processo mais avançadas da Intel, incluindo Intel 18A e Intel 20A com as novas inovações RibbonFET e PowerVia.
Sobre o mercado, alianças, canais e parcerias
Antes de seguir com as novidades e a super experiência na fábrica, preciso compartilhar com os leitores que logo no dia que cheguei em Phoenix, tive a grata oportunidade de fazer breve entrevista com dois executivos da Intel que ali se encontravam para no dia seguinte dividir seus conhecimentos e experiências com os participantes.
Conversei com Jason Kimrey (Vice President, US Channel and Partner Organization) e com Diego Garza (Diretor de Alianças e Canais de Hispanoamérica). Falaram sobre a importância da expansão com a(s) nova(s) fábrica(s) e como isso afeta suas áreas de atuação, canais, alianças, etc. Confira as conversas nos vídeos abaixo. A conversa com o Jason foi em inglês e a com o Diego foi em “portunhol”. As legendas automáticas do Youtube pode ser utilizadas, inclusive com a função de tradução para o português se você assim o desejar.
O tour pela fábrica
Nosso tour foi na Fab 42, já em larga operação há algum tempo ali em Ocotillo. Eu já sabia que o nível de limpeza e purificação do ar no ambiente de processamento dos waffers de silício era extremamente alto. Não é incomum ouvir e nem é exagero dizer que o grau de exigência é mais alto que o existente em uma UTI hospitalar! Foram pelo menos 20 minutos de preparação para poder entrar no ambiente fabril de fato. Proteção para o sapato, cabelo, barba, luvas pano, outra luva por cima, higienização dos crachás, etc.
Claro que dá para entender isso. Quando a escala de precisão de fabricação dos chips é nanométrica, uma partícula micrométrica que seja pode causar um erro de proporções gigantes em um lote de processadores! Por isso todos nós visitamos a fábrica dessa forma (foto abaixo).
Nos vídeos acima eu incluí algumas tomadas feitas dentro da fábrica (vídeo oficiais da Intel porque não pode entrar com celular dentro da fábrica), mostrando algo que me impressionou muito. Quem assistiu percebeu em algumas cenas alguns “carrinhos” transitando por trilhos no teto da fábrica. São na verdade transportes robotizados que levam os waffers de silício de lá para cá, de acordo com a etapa de fabricação dos chips, descendo, pegando, subindo, transportando, etc.
Estes “carrinhos” têm números de identificação. Tentei reparar para ter uma ideia de quantos transitam na Fab 42. Qual não foi minha surpresa de repente ver um desses com a numeração 454!!! Pode ser até mais! Incrível o vai e vem frenético deste transporte robotizado que dá vida às etapas de produção!
Sustentabilidade e responsabilidade
É tema sempre muito importante em face da degradação progressiva que infelizmente nosso planeta está sujeito nas últimas décadas. Importante é cada um fazer sua parte. Poderia falar das iniciativas globais da Intel, mas basta destacar o que se faz no Campus de Ocotillo que a história estará contada.
Vou começar com algo extremamente simples, mas bastante eficaz. A região de Phoenix é desértica muito quente, e com grande exposição solar. Existe um imenso estacionamento para automóveis dos funcionários no qual a cobertura para fazer sombra para os veículos é feita de incontáveis painéis para captação de energia solar. Assim se resolve o problema do calor nos carros e uma grande área para a captação da radiação e transformá-la em energia para uso na fábrica.
Mas isso é apenas o começo, no Campus de Ocotillo 100% da energia vem de Fontes renováveis dentre elas a solar. Há também compromisso com a cadeia de produção, fornecedores para reduzir o “footfprint” ambiental. Falando em compromisso, até 2030 100% da água será renovável (boa parte já é hoje), sem pegada de carbono ou resíduos, desperdício zero e para isso investimentos de US$ 300 milhões estão em progresso para economizar 4 bilhões de kWh de eletricidade.
Pensem em como isso é importante!! A Intel é uma empresa que fundamentalmente trabalha com reações químicas nas placas de silício. Precisa haver uma “blindagem” absoluta desses processos em relação ao meio ambiente. E é isso que a Intel está fazendo neste campus e em suas outras plantas em todo o mundo, com pequenas diferenças nos respectivos estágios de implantação.
E as novidades?
Como destaquei antes, a Intel segue como um “tratorzão” abrindo caminhos e construindo o futuro (citação do Andy Groove). Vale destacar que isso tem se tornado cada vez mais difícil. Algo que eu jamais tinha realizado antes, não nessa intensidade, é que cada vez mais está se consolidando o mercado de semicondutores. No passado não tão distante, em 2006, havia 17 fabricantes e agora, em 2023 há apenas 3 fabricantes. Isso se explica pelos altos custos envolvidos nos processos de fabricação e das próprias plantas industriais. Veja e figura abaixo.
Algo que comentei nas conversas com Diego Garza e Jason Kimrey foi a iniciativa da Intel em fomentar mercados emergentes, criados com sua participação. WiFi (Centrino), dispositivos de rede, memória flash (SSDs) são alguns exemplos disso. E não seria diferente com Inteligência Artificial, algo que ganhou tremendo impulso nos últimos tempos. Interessante que a Intel tem presença na infraestrutura de AI, por meio de processadores avançados e também aceleradores específicos.
Mas para mim a novidade é que na ponta do usuário, a Intel está na eminência de lançar uma plataforma chamada AI PC, ou seja, um PC com especialização em inteligência artificial, para ser desfrutada, consumida na ponta da cadeia, ou seja, pelo próprio usuário. Para isso será lançado em dezembro a família de processadores Intel Core Ultra, com diversas novas tecnologias e aceleradores como GPU e NPU integradas de alta performance.
É importante destacar como foi possível chegar a processadores tão avançados, uma vez que a escalada da Lei de Moore é cada vez mais difícil, frente à miniaturização dos processos de fabricação. Essa “mágica” é feita por meio de uma técnica muito, mas muito sofisticada chamada “Advanced Packaging” que permite que múltiplos “dies” sejam integrados em uma única peça de silício, usando materiais inovadores com substrato de vidro para o encapsulamento. Fazendo uma comparação muito simplista, seria como uma bolacha waffer que tem várias camadas, todas elas integradas e somando suas capacidades. Assim os processadores passam a contar com uma “tridimensionalidade” funcional.
Já há exemplos dessa tecnologia lançados, e um roadmap de evolução está definido prevendo a evolução em cada etapa. É como se para fazer cumprir a Lei de Moore, os processadores estivessem virando “pequenos prédios”. Aliás, de certa forma foi o que aconteceu quando a Intel parou de apenas crescer a frequência (Ghz) dos processadores e começou (faz tempo) a criar chips com vários núcleos (inúmeros hoje em dia – dezenas!!).
Essa ação da Intel impulsionando o AI PC é uma iniciativa que demanda uma extensa gama de parcerias e alianças porque mais uma vez a criação de um novo segmento de mercado, ainda mais tão importante é muito desafiador. Esta nova experiência de PC chega com os próximos processadores Intel Core Ultra, de codinome Meteor Lake, apresentando a primeira unidade de processamento neural integrada da Intel, ou NPU na sigla em inglês, para aceleração de inteligência artificial com eficiência energética e inferência local no PC. Pat Gelsinger (CEO da Intel) confirmou em apresentação recente que o Core Ultra será lançado em 14 de dezembro.
O Core Ultra representa um ponto de inflexão no roteiro de processadores da Intel para PCs: é o primeiro design de chiplet cliente habilitado pela tecnologia de empacotamento Foveros. Além do NPU e dos grandes avanços no desempenho com eficiência energética graças à tecnologia de processo Intel 4, o novo processador traz desempenho gráfico de nível distinto com gráficos Intel® Arc™ integrados.
Concluindo
Entre minha primeira visita a uma fábrica da Intel e esta no Campus de Ocotillo se passaram muitos e muitos anos. Algumas coisas não mudaram como a forma com a qual a empresa lida com os desafios tecnológicos do mercado. Mudou também a intensidade que o mundo tem hoje relativo à digitalização intensa. As empresas que nem imaginavam isso, tornaram-se digitais. Claro que com essa mesma dimensão a Intel, proporcional à Lei de Moore (talvez mais), precisou ampliar as fronteiras da tecnologia, na escala microscópica (chips) e macroscópica (mercado) para atender esse mundo absolutamente digital.
Neste contexto eu pude entender com mais profundidade a necessidade de Campi como o de Ocotillo que existem em diversas localidades. Pude compreender o porquê da dimensão maiúscula do complexo fabril, bem como a razão do volume de investimento para uma dessas novas unidade ser da ordem de 10 bilhões de dólares. Servidores corporativos, nuvem, inteligência artificial, PCs e notebooks pessoais, tudo isso base para este novo momento da economia mundial, passam pelas placas de silício que nascem no deserto do Arizona e várias outras plantas e laboratórios da Intel mundo afora! Foi uma experiência totalmente singular!!
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