sábado, 12 de abril de 2014

Nova fábrica controlada por WiFi produz motor inédito no Brasil

A Ford inaugurou neste dia 10 de abril uma nova fábrica de motores em sua planta industrial em Camaçari na Bahia. Esta inauguração é mais uma das fases do lançamento de seu novo carro compacto, o novo KA que já foi apresentado preliminarmente (pelo menos suas formas – sem mecânica) nas versões sedan e hatch no ano passado. Mas o destaque deste acontecimento foi para mim o grau de sofisticação da fábrica, muito moderna e do motor que também é bastante avançado e cheio de soluções inovadoras.

A nova fábrica

A edificação que hospeda a nova fábrica tem 24.500 metros quadrados, algo como 125 por 200 metros (em se tratando de unidade rurais trata-se de um alqueire!!). O ambiente é totalmente climatizado, temperatura constante de 24C e pressão positiva de ar. Dessa forma há total controle sobre as diminutas margens de tolerância dimensional. Isto visa controlar as variações de temperatura que podem causar expansão ou contração micrométrica nos metais que fora de certos limites podem afetar o produto final. Também assim é garantida a não contaminação das unidades produzidas por impurezas que poderiam ser trazidas pelo ar.


figura 01 – visão da nova fábrica de motores da Ford em Camaçari


Eu entendo que o que eu visitei e observei é ainda uma fábrica em regime de pré-produção. Mas o grau de limpeza e ordem é digno de um ambiente hospitalar!! Desta fábrica sairão 210 mil motores por ano, tanto para o mercado nacional, para equipar os carros compactos da Ford bem como para eventualmente suprir motores para fábricas de outros países. Trata-se da fabricação completa, bloco, cabeçote e a montagem da unidade motriz.

Trata-se de primeira fábrica de motores situada na região nordeste do Brasil tendo criado 300 novos postos de trabalho. Demandou um investimento de 400 milhões de reais, parte de um plano de investimentos da companhia iniciado tempos atrás que realizará investimentos de 4.5 bilhões de reais até o final de 2015 no país.

Pensava que falar de uma fábrica poderia ser enfadonho, mas há dados que achei espetaculares e interessantes. Quando uma fábrica é feita usando postos fixos e especializados aquela linha de montagem fará eternamente somente determinado produto. Porém nesta fábrica há 34 centros de usinagem totalmente flexíveis, ou seja, podem ser reprogramados para desempenharem outras funções no futuro. São mais de 40 robôs e estações de carregamento automáticos (veja nas fotos).


figura 02 – visão da nova fábrica de motores – sistema robotizado

figura 03 – linha de produção sendo acompanhada por funcionário



Controlada por WiFi? Sim!!

Sim WiFi é tecnologia essencial na fábrica. 100% dos equipamentos e máquinas são conectados a uma central de monitoramento e gerenciamento. É uma estrutura impressionante! Dessa forma há rastreabilidade total da unidade sendo montada em todas as estações. Por quais máquinas ela passou, dados de uso das máquinas, tempo de operação, etc. São quase 130 pontos de monitoração. Há também câmeras de alta definição que acompanham e ajudam a verificar as operações de montagem dos componentes. Segundo a Ford isso tudo visa garantir a presença de ZERO defeitos no produto final.

Foi escolhida a tecnologia WiFi porque pelas dimensões da fábrica e quantidade de equipamentos seriam necessários quilômetros e quilômetros de cabo, além de estruturas, canaletas, etc. Algumas dezenas de células WiFi distribuídas na edificação proporcionam a cobertura de toda a área. Assim são mantidos os “quadros eletrônicos” de produção com atualização a cada segundo com informações detalhadas de volume de produção e do histórico de cada unidade fabricada. Achei sensacional! Digno de um estudo de caso mais minucioso da aplicação esta tecnologia...


figura 04 – linha de produção


Validações

Ainda visando a meta de “zero defeitos”, há estações de testes ao longo da linha de produção para verificação imediata da operações. No final da linha de montagem há 3 células de “Cold Test”. Este é um tipo de checagem na qual o motor é testado sem combustível, ou seja, um motor elétrico provê o movimento das partes e mais de 350 características são aferidas. 100% dos motores que saem da linha passarão pelo “Cold Test” e devem apresentar zero imperfeições.

Antes de concluir o processo os motores passam por mais 2 células de “Hot Run”, ou seja, o teste a quente, que simulam o funcionamento no veículo fazendo o motor funcionar com combustível e lubrificação. Este tipo de teste não será feito em 100% dos motores porque se o “Cold Test” não detectou variação alguma não há porque a unidade apresentar defeito. Mas mesmo assim um percentual dos motores é testado. No início da produção este percentual de testes será elevado, quase a totalidade dos motores, mas com a estabilização do processo de produção a verificação será mesmo feita por amostragem estatística


figura 05 – verificação de funcionamento dos motores


Mão de obra

Equipamentos moderníssimos, tecnologia de primeiro mundo, expectativa de qualidade superior por si só não garantem a excelência do produto final. Também é necessário que o funcionário que opera cada posto de trabalho tenha sido bastante preparado e capacitado para tal. Foi construído um novo centro de treinamento visando este projeto e ministradas mais de 380 mil horas de treinamento para os funcionários dedicados aos estreantes motores. Foi feita uma parceria com o SENAI e com diversos fornecedores visando prover o treinamento específico para os funcionários da nova fábrica.


Produção mais limpa


Fábricas que realizam usinagem (desgaste controlado de material) têm um sério problema. Normalmente é usada água (muita água) borrifada na peça sendo trabalhada. Isso tem como efeito a lubrificação do contato da ferramenta com o metal e também visa reduzir a temperatura. Mas o dejeto desta operação é água contaminada por metais, em grande quantidade. No passado isso era descartado no meio ambiente causando grande poluição e trauma ambiental. Atualmente as empresas devem tratar esta água para poder ser reaproveitada ou descartada não contaminada.

Na nova fábrica de motores da Ford é usado um processo denominado MQL – mínima quantidade de lubrificação. Isso significa que em vez de água o processo usa uma névoa de óleo e ar comprimido para a mesma função. Assim pequenas quantidades de lubrificante são direcionados para o local exato. Só isso reduz em 50% o consumo de água em cada motor. Esta técnica também reduz o consumo do próprio óleo em 80% (100 ml – o equivalente a uma xícara de chá para cada motor). Os resíduos são sólidos (cavaco e óleo) e isso facilita bastante o processo de reciclagem de material. E por não ter efluentes líquidos reduz bastante a energia gasta no processo de tratamento.



figura 06 – processo de usinagem usando MQL – observe a névoa de óleo e ar


O que ainda existe de efluentes no processo completo é tratado em uma central de ultrafiltragem. E há a reciclagem de 100% de todo resíduo sólido dos processos de usinagem.

A Ford produziu um breve vídeo muito interessante que ilustra as características desta nova fábrica e que pode ser visto neste link (disponível em alta resolução 1080p).




Mas e o motor??!!

Motor, unidade motriz ou qualquer que seja o nome designado, é o ponto central dessa nova fábrica. Trata-se de uma unidade de 1.0 litro de avançada tecnologia. A começar pelo projeto bem moderno e por ser membro de uma família de motores da Ford que por si só gerou 120 patentes para a empresa.

A versão fabricada no Brasil tem como grande diferencial o fato de ser um motor de 3 cilindros. Habitualmente motores têm 4, 6 ou 8 cilindros (12 em alguns carros de alta performance ou embarcações). Um motor de 3 cilindros não é um de 4 que teve um cilindro retirado. Nada disso. Exige um projeto totalmente novo. A começar para equilibrar os esforços dinâmicos. Afinal em um motor de 4 cilindros a cada momento há dois pistões descendo e dois subindo enquanto no de 3 cilindros são dois para cima e um para baixo (e vice versa). Equilibrar este motor é um quebra-cabeças formidável de engenharia que foi superado pelos engenheiros da Ford.


figura 07 – visão evidente dos 3 cilindros do novo motor

Aliás esta é uma tendência interessante na indústria automobilística. Trata-se do “downsizing”, ou seja, a redução do tamanho do motor usando projetos modernos e avançados com apoio da eletrônica para obter potências maiores com unidades menores. O limite extremo disso são os motores 1.0 EcoBoost turbinados da Ford que atingem entre 100 CV e 125 CV (dependendo da versão).

O motor fabricado no Brasil é um digno sucessor desta pérola tecnológica. Essencialmente é o EcoBoost Turbinado com alguma simplificação e algumas novas soluções. Mas porque sem o turbo? Porque no Brasil será usado para veículos compactos como o novo KA (a ser lançado em poucos meses) e para isso se o motor turbo tivesse turbo entregaria potência excessiva e seria bem mais caro (características incompatíveis com este projeto). Só para comparar este 1.0 turbo na Europa é usado em versões do Ford Focus em substituição a motores 1.4 ou 1.6!!

Voltando ao motor feito agora no Brasil, ele é um sucessor do EcoBoost e está pronto para crescer se um dia a Ford achar que vale a pena tê-lo no Brasil com maior potência para carros de outros segmentos. É o “ressurgimento” dos motores 1.0. Tempos atrás os motores de 1 litro foram preteridos em relação aos motores de 1.3 ou 1.4 litros porque estes eram mais agradáveis de dirigir e paradoxalmente mais econômicos em certas situações. Isso porque o 1.0 “antigo” exigia acelerações mais vigorosas para manter certo nível de potência e isso o fazia gastar mais, por exemplo em uso rodoviário ou mais trocas de marcha em uso urbano.

Mas esta unidade agora produzida no Brasil chega fazendo bonito. Ao menos nas especificações ele supera segundo a Ford os motores (1.0 também de 3 cilindros) da VW e da Hyundai em todas as faixas de rotação. São 85 CV e 105 Nm (torque) com etanol e 80 CV e 98 Nm (torque) com gasolina. E ao contrário de motores 1.0 “convencionais” (de concepção não tão moderna) o torque, ou seja a força do motor, está presente cerca de 90% a 95% em baixa rotação (1500 rpm). Isso torna o carro muito agradável de ser conduzido, sem necessidade de reduções de marchas frequentes e pronta reposta do acelerador em baixas rotações.


figura 08 – outra visão do 1.0 l de 3 cilindros


Eu tive apenas um carro de motor 1.0. Faz tempo. Cerca de 14 anos atrás eu adquiri um Ford KA (o original) com seu motor Zetec Rocam e seus 65 CV. Era nesta época o carro de maior potência entre os 1.0. De fato era um carro bem esperto no trânsito. Menos no verão. Isso porque com o ar condicionado ligado ele perdia parte de seu brilho. O 1.0 de 3 cilindros de agora é quase 1/3 mais potente e tem boa parte de seu torque entregue bem mais cedo. É uma evolução e tanto. Relembro que o tipo de carro a ser propulsionado agora é o mesmo (compacto), a despeito do nome KA ser o mesmo de tantos anos atrás.

Algumas das características deste motor são mais distantes do consumidor comum. Dizer que existem 12 válvulas (4 por cilindro) e que usa a tecnologia de duplo comando variável não sensibiliza tanto o consumidor. Mas são atributos que agregados trazem para esta unidade suas características principais de dirigibilidade que o diferenciam no mercado.

Por outro lado o sistema de arrefecimento em dois estágios, embora de nome complicado, será percebido pelo consumidor. Os carros atuais não mais precisam ser aquecidos logo após a partida pela manhã como veículos de décadas atrás. Porém o motor tem uma faixa de temperatura nominal na qual ele foi projetado para trabalhar e na qual seu desempenho é otimizado (potência e consumo). Ainda mais sentido faz quando se usa etanol, mas também percebido com gasolina, acelerações mais vigorosas são mais eficazes com o motor na faixa ideal de temperatura de funcionamento. O novo 1.0 de 3 cilindros ao ser ligado desvia seu fluxo de líquido de arrefecimento por fora do cabeçote. Dessa forma os componentes internos aumentam de temperatura mais rapidamente e faz o motor chegar às suas condições ideais. E a partir deste momento o líquido de refrigeração volta a fluir por todo o motor para mantê-lo na temperatura certa. Uma ideia simples, mas que deve ter proporcionado desafios de engenharia bem interessantes à equipe da Ford.


figura 09 – outra visão do 1.0 l de 3 cilindros


Outra novidade que será percebida pelo motorista é o sistema de partida a frio (Ford Easy Start). Usado quando abastecido com etanol dispensa a existência do tanque de gasolina extra para auxílio em dias mais frios. Quando a temperatura está abaixo de 18C o etanol é pré-aquecido e já pode ser queimado nas câmaras de combustão com facilidade resultando em partidas imediatas mesmo na condição adversa de temperatura.

Existem diversas outras características técnicas de destaque como:

  • Coletor de admissão integrado (melhor ruído, temperatura e emissões)
  • Correia lubrificada (mais simples, menor atrito, troca só aos 240 mil Km)
  • Taxa de compressão 12:1 (maior eficiência)
  • Cabeçote de alumínio (alto torque em baixas rotações)
  • Bloco de alta resistência (menor vibração)
  • Baixo peso, cerca de 85 Kg
  • Bloco de dimensões reduzidas, próximo do tamanho de uma folha A4


figura 10 – outra visão do 1.0 l de 3 cilindros


A etapa de ensaio e testes feita no Brasil usou modelagem computacional nas quais mais de 10 mil horas foram aplicadas em processos de CAE e CAD. Depois de pronto foram realizadas mais de 15 mil horas de testes em dinamômetro além de testes dinâmicos de rodagem nos quais mais de 210 mil quilômetros foram percorridos.

A Ford foi questionada sobre os valores de consumo do motor, mas não quis antecipar esta informação. Será submetido ao teste de consumo do INMETRO no mês de maio e assim terá seus dados oficiais confirmados e divulgados. Mas segundo a empresa os consumidores terão uma ótima surpresa. Só não entendi o porquê dos dados de potência e torque (melhores que toda a concorrência) terem sido antecipados, mas não os dados de consumo. De fato é necessário fazer o teste com um carro e não com o motor em uma bancada. Estou bem curioso. É esperar para ver.

A Ford produziu um breve vídeo muito interessante que ilustra as características do motor e que pode ser visto neste link (disponível em alta resolução 720p).




A solenidade

A fábrica foi apresentada oficialmente no dia 9 e abril com todo cerimonial merecido. Teve a presença dos altos executivos da Ford bem como prefeito de Camaçari Ademar Delgado, governador do estado da Bahia Jaques Wagner e demais autoridades. O polo industrial de Camaçari vem de fato se tornando cada vez mais relevante. Há outras empresas do setor automotivo (fornecedores) presentes bem como outra montadora, a JAC Motors se estabelecendo na região.


figura 11 – Governador Jaques Wagner na solenidade de inauguração


figura 12 – Autoridades presentes na solenidade de inauguração


Como resultado final de minha presença nesta ocasião especial ficou a vontade de conhecer mais a fundo o comportamento deste interessante motor produzido em terras da Bahia. Ele será usado no novo “KA” e palpites de mercado estimam que será lançado logo após a copa do mundo. Será??  Agora me resta esperar e quem sabe experimentar.



figura 13 – orgulhosos funcionários da Ford diante do novo motor

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