segunda-feira, 9 de junho de 2014

A tecnologia por trás da eficiência energética dos veículos

Sendo algo relativamente novo para mim, o mundo de tecnologia automotiva reserva certas surpresas. Mesmo para quem está acostumado ao mundo de smartphones, redes, servidores, tablets, WiFi, etc. Mas essencialmente são muito parecidos, por isso mesmo o tema me cativa tanto. De forma análoga equipamentos eletrônicos, aparelhos eletrodomésticos e automóveis têm sido submetidos a uma rotina de testes para aferir sua eficiência energética e a partir disso são atribuídos selos com a designação de quanto foi bem cumprida a tarefa.

No caso dos automóveis este é o programa PBEV  (Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular). Resumidamente pode ser dito que o tal programa está em processo de implantação. Atualmente ele é voluntário, ou seja, o fabricante que aderiu ao programa (nem todos aderiram) submete certo modelo ao teste e ele tem seu desempenho aferido e classificado. Atualmente cerca de 50% dos modelos vendidos no Brasil já tem sua classificação. Mas até o ano de 2017 a totalidade (100%) das marcas e dos modelos, ou seja, todos os carros, deverão ser obrigatoriamente testados e classificados.

Dos grandes e mais antigos fabricantes, os mais tradicionais como Ford, Fiat, Volkswagen estão presentes. A GM entrou no programa anos atrás mas o abandonou em 2010 (terá que retornar obrigatoriamente até 2017). Outros importantes fabricantes como Citroen, Honda, Hyundai, JAC, KIA, Nissan, Peugeot, Renault e Toyota também já aderiram ao programa.

 
figura 01 - exemplo de selo do programa FBEV

Se você como eu não estava sabendo disso, faça a analogia com eletrodomésticos. É comum ver nas lojas geladeiras, fornos de micro-ondas e mesmo TVs o tal selo. Nos automóveis é igual, ou de deveria ser O selo deve der afixado em lugar visível para o comprador que classifica o resultado do teste em 5 níveis: A,B,C,D e E. Existem duas classificações. Uma específica na categoria que o carro se enquadra (subcompacto, compacto, médio, grande, comercial e mais algumas categorias especiais). O critério é bastante objetivo e inquestionável, pois utiliza a área do veículo (em metros quadrados) para definir sua categoria. Há também uma classificação geral (entre A e E) que posiciona aquele veículo em relação a todos os carros.

O teste é feito pelo próprio fabricante seguindo uma rígida norma (NBR 7024). Se o incomoda o fato do teste ser feito pela “parte interessada”, eu senti a mesma coisa. Mas a forma como o teste é realizado afasta suspeitas de má condução do teste. A avaliação de eficiência é feita simultaneamente com a avaliação de emissão de poluentes e por isso é acompanhado pela CETESB. Além disso o INMETRO audita os testes anualmente, geralmente por solicitação das empresas concorrentes quando vêm um resultado surpreendente que lhes é estranho. Dessa forma a idoneidade do teste é garantida, pois ter um valor contestado e depois corrigido é de grande impacto negativo para a imagem de um fabricante. Isso até agora não aconteceu.

Conversando com engenheiros da Ford pude entender como o teste é realizado. O grande desafio deste tipo de avaliação é a sua reprodutibilidade. Assim tal norma NBR 7024 determina as condições do teste. É feito com o carro parado, mas apoiado em um sistema de esteiras rolantes atuando sobre a roda motriz. Para aferir o ciclo urbano e o ciclo rodoviário um conjunto de ações deve ser seguida pelo condutor (motorista) que está no comando do carro. Por exemplo, no ciclo urbano são acelerações, frenagens, paradas completas, reacelerações, novas paradas, etc. certo número de vezes reproduzindo o padrão de um motorista dirigindo na cidade.

Analogamente o teste do ciclo rodoviário é feito com acelerações até velocidade de cruzeiro (determinada pela norma), algumas variações de velocidade, algumas frenagens, simulando a condução em uma estrada. Importante ressaltar que nas duas condições de teste um sistema computadorizado atua no rolete sobre o qual o carro está apoiado de forma a mimetizar a resistência dinâmica que o carro sofre. Por exemplo, a 100 Km/h a resistência do ar é tal que o motorista tem que acelerar mais para manter aquela velocidade. Assim uma força análoga é aplicada no rolete para simular a mesma situação. Como existe um motorista ao volante, caso haja desvios do comportamento (acelerações, frenagens, trocas de marcha, etc.), fora do padrão determinado, aquele teste é invalidado e tem que ser feito de novo até que ele atenda à norma NBR 7024.

Eu fiquei particularmente bem interessado no processo e achei a ideia de como realizar o teste bastante estimulante. Logicamente seria 100% impossível fazer esta avaliação na rua ou estradas de uma forma 100% idêntica a cada teste. Isso inviabilizaria comparações. Já imaginaram a variabilidade do trânsito de uma cidade como São Paulo!? Seja por isso ou fatores ambientais como temperatura e pressão, a única maneira justa de realizar o teste é essa mesma.

Uma informação adicional. Depois de finalizados os testes, “ciclo urbano” e “ciclo rodoviário” e com etanol e gasolina (no caso dos veículos flex), a norma ainda determina que um “fator de correção” da ordem de 30% seja aplicado, diminuindo o resultado da eficiência neste percentual de forma a aproximar os resultados de “laboratório” ao uso regular do veículo pelos consumidores nas ruas e estradas.

 
figura 02 - economizar é necessário!

Eu sempre ficava desconfiado quando via os fabricantes divulgarem eles mesmos os resultados de consumo de seus veículos. Se no passado o teste era mais “caseiro”, hoje em dia não mais. Como existe o compromisso com o PBEV, o acompanhamento do teste pela CETESB, a auditoria pelo INMETRO (que refaz ela mesma os testes para confrontar com os valores divulgados pelos fabricantes, penso que podemos agora confiar nestas informações) a confiabilidade é bastante grande.

O consumidor deveria estar bastante atento a esta informação ao adquirir um veículo, geladeira, TV, etc. No mínimo há dois bons motivos para isso. Vivemos em um mundo onde os recursos naturais são finitos, alguns renováveis, mas essencialmente compartilhados por todos. A consciência ecológica e de sustentabilidade deve estar sempre presente. O segundo fator é financeiro. Se posso usar um equipamento, TV ou automóvel cujo rendimento é melhor, isso se refletirá em economia real de dinheiro no final de cada mês, seja na conta de eletricidade ou no valor dispendido no posto de gasolina. E as diferenças podem ser sensíveis.

No meu particular modo de pensar me incomodaria saber que estaria usando e andando em um automóvel tecnologicamente não evoluído e por isso mesmo consumindo mais recursos. Como não ando mais que 900 Km por mês a economia mensal pode não ser maior do que R$ 50 ou R$ 60 por mês se considerar escolher um veículo mais eficiente ou menos eficiente. A despeito do valor (que já justifica) a sensação de estar usando um carro defasado e gastador me incomoda!!

Um exemplo real – novo Ford KA

Todas estas informações foram absorvidas em um seminário sobre eficiência energética apresentado pela FORD Brasil em junho de 2014. Afinal este fabricante estava exultante com a divulgação dos dados de consumo de combustível de seu mais novo lançamento, o novo KA (que deverá chegar às ruas possivelmente no mês de agosto próximo).

A satisfação da Ford foi confirmar que seu novo carro, classificado como compacto atingiu o nível A nos testes realizados e quando comparado com os veículos de menor categoria (subcompactos – mais leves  e menores) ficou apenas atrás do Renault CLIO. Porém a versão do Clio presente na relação do INMETRO e PBEV é um modelo sem direção assistida e sem ar condicionado. Na prática vale dizer que feita esta equalização o novo KA caminha para ser um dos veículos mais econômicos do Brasil a despeito de sua categoria (já é o mais eficiente de sua categoria de veículos compactos).

Mas o que faz um veículo evoluir a ponto de conquistar esta façanha tecnológica? São muitos pontos. A começar por um motor muito moderno (1.0 de 3 cilindros) e concebido para ser econômico e potente. Eu já falei um pouco desta inovação no texto “Nova fábrica controlada por WiFi produz motor inédito no Brasil”. Há especificações importantes, mas um pouco herméticas ao consumidor comum como: 12 válvulas (4 por cilindro), correia banhada em óleo (menor atrito), duplo comando de válvulas variável, sistema de arrefecimento em dois estágios, alta taxa de compressão (12:1), cabeçote de alumínio, baixo peso (só 85 Kg), etc.

 
figura 03 - novo motor eficiente de 1.0 litro e 3 cilindros

Mas a Ford mostrou que não só de um motor de concepção moderna se faz um carro campeão de economia. São muitos detalhes que ajudam a chegar neste bom resultado:
Por conta do bom torque as marchas têm relação mais ampla, roda em menor rotação
Pneus projetados para menor atrito e consumo (reduz consumo cerca de 3%)
Direção com assistência elétrica e não hidráulica (reduz consumo cerca de 3%)
Compressor de ar condicionado otimizado
Alternador que necessita menos torque para gerar eletricidade
Atributos aerodinâmicos – defletores que direcionam o ar minimizando resistência
Limpador de para-brisas embutido (menor resistência)

A soma disso tudo com o novo motor, a agregação de tecnologias de forma coesa fez o novo KA chegar aos seguintes resultados:

Selo categoria A (máximo)
Selo CONPET máxima eficiência energética na sua categoria
Etanol : 8.9 Km/l na cidade e 10,4 Km/l na estrada
Gasolina (com 25% de etanol) :13 Km/l na cidade e 15,1 Km/l na estrada
Potência de 80 CV com gasolina e 85 CV com etanol
Torque de 100 Nm com gasolina e 105 Nm com etanol
Supera em potência, torque e economia VW UP, HB20 e concorrentes diretos.

 
figura 04 - novo KA an versão hatch

Existe outro fator de destaque para estes resultados. O motor no novo KA já está de acordo com as exigências de emissão de gases (PROCONVE 6), adiantando-se em relação a exigência legal (prazo) enquanto alguns veículos ainda terão que se readequar e isso os obrigará a realizar novos testes de emissão e eficiência energética.

Conclusão

O resultado de minha participação neste breve seminário de eficiência tecnológica foi bastante positivo e até surpreendente em vários aspectos. Conhecer de forma mais profunda a metodologia, saber como são feitos os testes, o rigor técnico e de auditoria me fizeram confiar bastante nestas informações que outrora me despertavam certa desconfiança. A Ford é um bom exemplo de iniciativa em orquestrar uma série de tecnologias a favor da redução do consumo e melhorando a eficiência energética. Outras competentes fábricas de automóveis também trilham este caminho que será bom para todos. Para os consumidores, para o planeta e para a gratificante sensação de estar conduzindo um veículo avançado e sofisticado no trato da energia.

Ainda há um desafiador caminho a ser trilhado. Da energia oriunda da explosão em uma câmara de combustão cerca de 30% apenas se convertem em energia mecânica que de fato movem o veículo. Há limitações técnicas e de engenharia que limitam a evolução deste grau de aproveitamento. Mas ao olhar diversos outros aspectos do carro, procurando obter ganhos de eficiência é um bom começo. Particularmente eu adoro a tecnologia de carros híbridos, que reaproveitam parte da energia que antes era desperdiçada (seja do calor emitido ou do movimento e frenagens). Eu ficaria muito satisfeito se em 5 ou 10 anos os processos de reaproveitamento de energia e a busca pela máxima eficiência estivessem presentes no mais alto grau. A Ford, pelo que vi, está fazendo a sua parte!!

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